quarta-feira, 2 de maio de 2012

STF aprova abortos em bebês anencéfalos

Após dois dias de votação, o Supremo Tribunal Federal aprovou a realização da prática abortiva nos bebês anencéfalos


Embora proibido no Brasil, salvo alguns casos, a prática abortiva no país vem sendo discutida amplamente ao longo dos últimos anos, sobretudo porque recentemente foi decretado em Brasília, pelo Superior Tribunal Federal, por 8 votos a favor e 2 votos contra, que não será considerado crime de aborto tipificado quando as mulheres “anteciparem o parto” de fetos anencéfalo.
O principal argumento utilizado por aqueles que foram favoráveis à descriminalização desse tipo de aborto foi o de que seria uma ofensa à dignidade da mãe, que se vê obrigada a carregar no ventre um feto que teria remotíssimas condições de sobreviver depois do parto.
Após muitas discussões e diferentes pontos de vista, definiu-se que abortar nesse caso não será considerado crime, ressalvando-se que para a prática de tal ato devem ser tomadas precauções quanto ao local escolhido. Segundo o site G1, no Brasil há 65 hospitais da rede pública que estão qualificados para realizar o aborto, sendo que a previsão é de que este número chegue a 95 até o final do ano.
Para entender melhor essa polêmica questão e o que diz a Lei sobre isso, conversamos com a Dra. Ana Paula Cezario:

1) - Qual a lei que condena a prática do aborto no Brasil?
Dra. Ana Paula Cezario: O Código Penal Brasileiro estabelece dos artigos 124 ao 128 o crime de aborto, vejamos:
Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento.
Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:
Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.
O art. 124 tipifica o crime de auto-aborto (quando a própria gestante pratica a conduta) e o aborto consentido. (quando a gestante consente validamente para que terceiro pratique a conduta)
Aborto provocado por terceiro
Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos.
O art. 125 tipifica o crime de aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante.
Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
Parágrafo único - Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de 14 (quatorze) anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.
O art. 126 tipifica o crime de aborto provocado por terceiro com o consentimento da gestante. A gestante responde pelo tipo previsto no art. 124 e o terceiro por este tipo penal.
Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.
A pena do terceiro que provocou o aborto com ou sem o consentimento da gestante, será aumentada de 1/3 se, em decorrência do aborto, a gestante sofrer lesão corporal de natureza grave, mesmo que tenha consentido no crime. Ainda, a pena será duplicada se da conduta resultar a morte da gestante.
Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:
Aborto necessário
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro(Aborto humanitário)
II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
2) - O artigo 128 do Código Penal cita que há condições legais para a realização de aborto no país. O que diz ao certo este artigo e quais os tipos de abortos permitidos no Brasil?
Dra. Ana Paula Cezario: O artigo 128 do Código Penal Brasileiro prevê as hipóteses dos abortos legais, ou seja, abortos que serão realizados por médicos e sua equipe, sem que a norma penal seja aplicada.
O artigo prevê a hipótese do aborto necessário, aquele em que a gestante corre risco de morte atual, não necessitando de ordem judicial, mas o médico deverá relatar o ocorrido e enviar ao CFM (Conselho Federal de Medicina), frisa-se que o profissional deve provar em seu relatório o risco eminente de morte da gestante.
A outra hipótese prevista pelo artigo é o aborto humanitário, que ocorrerá em casos que a gestante provar que a gestação é proveniente de estupro.
3) - Já sobre o aborto de anencéfalos, qual a Lei que o legitima a partir da aprovação do STF?
Dra. Ana Paula Cezario: Não existe lei para legitimar o aborto de anencéfalos, o que existe a partir de agora é a exclusão de tipicidade da conduta, ou seja, com a decisão do órgão máximo do judiciário, o ato não será tipificado criminalmente.
Portanto, devido ao julgamento da APDF 54 pelo STF, o aborto de anencéfalos não será configurado como crime previsto nos artigos 124 ao 128 do Código Penal Brasileiro.
4) - Considerando a aprovação desse tipo de aborto, é possível afirmar que ele fere o direito à vida?
Dra. Ana Paula Cezario: A lei garante a proteção da vida humana desde sua concepção, desta forma ao analisar a lei em sua essência, autorizar este tipo de aborto foi visto por muitos como uma forma de ferir o direito a vida.
Porém, o tema é muito mais complexo que uma simples analise do direito do nascituro. A letalidade para o feto com anencefalia é de 100%, ou seja, não há chance de vida extrauterina.
Sigamos, ainda mais, na esteira desse raciocínio, sendo o anencéfalo o resultado de um processo irreversível, de causa conhecida e sem qualquer possibilidade de sobrevida, por não possuir a parte vital do cérebro, é considerado pelos médicos desde o útero um feto morto cerebral, não ferindo desta forma o direito a vida.
Entendo que a não permissão para que a mulher interrompa uma gravidez, de um feto que não possuirá vida extrauterina, e ainda prejudicial à saúde da própria mulher, seria uma clara violação de Preceito Fundamental, qual seja, a Dignidade da Pessoa Humana.
5) - Há obrigatoriedade em realizar essa prática abortiva nos casos de gravidez de anencéfalo? Ou essa prática depende da mãe?
Dra. Ana Paula Cezario: Com essa permissa a gestante não é obrigada a realizar o aborto, mas tão somente, aquelas que se encontrarem em tal condição, poderão optar por fazê-lo sem suportar as consequências criminais estatuídas pelo artigo 128 do vigente Código Penal Brasileiro.
6) - Quais são os locais indicados para a realização do aborto de anencéfalo?
Dra. Ana Paula Cezario: O Brasil possui atualmente 65 hospitais da rede pública que estão qualificados para realizar aborto de fetos anencéfalos, de acordo com o Ministério da Saúde. Ainda segundo o governo, até o final do ano serão mais 30 unidades, totalizando 95 locais pelo país.
Os locais não eram divulgados devido ao temor de represálias às pacientes e à equipe médica que realiza o procedimento. A informação é repassada à gestante durante atendimento na rede do Sistema Único de Saúde (SUS).
7) - Você considera democrática essa medida que libera o aborto de anencéfalos?
Dra. Ana Paula Cezario: A maior dificuldade do judiciário é adequar a legislação às necessidades sociais atuais. Ao analisar o aborto de anencéfalos, o judiciário deu um grande passo em defesa da dignidade humana.
Para qualquer mulher que passa por esta situação, ficar à mercê da permissão do Estado para livrar-se de semelhante sofrimento resulta, para dizer o mínimo, em clara violência a sua integridade física e moral.
Ao chegar nesta decisão, o judiciário, cuidou do direito à saúde, do direito à liberdade em seu sentido maior, do direito à preservação da autonomia da vontade, da legalidade e, acima de tudo, da preservação dos direitos fundamentais da mulher.